Voltei a ler as tuas palavras, as que me escreveste
verdadeiramente, e as que embora tivessem ficado por dizer, te adivinhei entre
outros tantos gestos. Uma suave tortura nocturna, masoquista.
E queria tanto
dizer-te que te detesto, que a tua existência mesmo longínqua e desconhecida me
amargura, me agonia, e que nunca me lembro das tuas promessas incumpridas, escritas sobre a areia, nem dos teus desejos e augúrios, dos nossos passeios e carícias, das
músicas que escutávamos e das caretas que fazias quando partias.
Queria dizer-te que me enraivecem as tuas mentiras,
as tuas mudanças repentinas de humor, as tuas queixas constantes e a tua falta
de interesse por tudo o resto, mais ainda, a forma como o cabelo caía no teu
pescoço, escondido por um cachecol que abrigava em si todo o esplendor do teu
aroma preferido. Mas dizer-te sobretudo que odeio a memória das tuas tentativas
para arrebatar-me sorrisos amuados com as tuas gracinhas sem piada, as tuas
danças desajeitadas para agradar-me e as nossas discussões linguísticas que te
colocavam sempre em vantagem. Queria dizer-te tudo isto e muito mais, mas
duvido que todas as palavras que me são possíveis articular fossem suficientes.
Porque na realidade nada disto é real e o que odeio verdadeiramente é a mim
própria. Por te ter permitido despertar faces de mim que julgava há muito
extintas e todas elas te serem insuficientes. Por ter enraizado em mim tudo
aquilo que uma vez foste, arrancando-te posteriormente mas deixando a superfície
desprotegida, consentindo que os teus pequenos e breves regressos, tal como uma erva
daninha, perturbassem a qualidade da colheita.
Mas deixemos cair a chuva meu malmequer. As tuas
pétalas partem uma a uma com cada sopro de vento, porém, ainda aqui te espero.
Amanhã teremos sempre um novo sol.