quinta-feira, 12 de abril de 2012

Deidade

E na noite sorri, pequena divindade,
Perdendo-se por entre nuvens, brumas
De privação. As palavras demoram-se nos lábios,
Fogem pelos dedos na ânsia de um toque,
E morrem pouco a pouco nesta proximidade
Tão longínqua. Abandono-me à arte
Do calor sobre o corpo, escondendo na algibeira
Do ser a impaciência, o fervor das coisas simples,
A indizível emoção do acaso.
Também em sonhos a deidade desce sobre mim,
E o absurdo não o é mais entre os seus braços,
A chuva rasgada que nos cobre não mais queima,
Na pele molhada brilha toda uma janela de esperança,
Os seus olhos de amêndoa fixando um horizonte
De fantasias. O pano cai. A espera termina.
Pela cidade anuncia-se a sua chegada.
Ouvem-se ecos de êxtase, badaladas,
E a saliva desce-me à garganta da loucura,
Não mais soturnidade, não mais melancolia.
Cálices de luxúria derramados, encenação contemplativa,
Explosiva, supernova de cores e aromas.
Silêncio.
Viajo incógnita pelo seu olhar, o cosmos que me aguarda
Como se as árvores não tivessem mais raízes
E no coração dos homens não existisse mais piedade.
Silêncio.
Demoro-me incrédula na expressão de deleite
Da divindade.
Chegou a hora. Cai o pano.
Arrasto-me na natureza interminável do inesperado.
Ao longe ouço a melodia do infinito.
No esplendor da noite, é ela que toca para mim.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vácuo

Dialoguemos as nossas palavras interditas
Neste deserto de silêncio.
Envia-me pela noite os teus tormentos,
Não importa se gastarmos a agua dos oceanos,
A neve das montanhas,
As constelações do firmamento.
Há coisas que são eternas e no silêncio tudo é infinito.
Mas aqui mesmo me asseguro de que terminou a procura,
O vento transportou em tempestade todas as cinzas
Que restavam de ti. Não te vejo nas ruas, na casa,
no sono ou na música. Desfragmentação total,
fundamental.
Não espero escutar-te no rio que corre ao pé do prado,
O sangue circula-me num tumulto de intempérie,
E nem as tuas mãos orvalhadas me amanhecerão no espírito.
Não há mais chamados, mais gritos, mais interjeições.
Dói-me a partida cheia de promessas,
Vocábulos pronunciados sem intenções, devastados pelo terror
Das (in)diferenças, pela crueldade de evitar o Sol, a lua,
Os passeios no bosque.
O temor a essa luz que nos entrava pelo corpo,
Ao calor que nos crescia na pele, a dar um pouco mais de nós
Ao horizonte.
Liberto-me, não serei mais prisioneira dos teus mudos pareceres
De juízos extintos, aniquilados com o teu abandono,
E escaparei também sem pré-aviso
numa andrajosa nuvem de saudade.
Voo, sem asas, nas nossas palavras interditas.
Neste instante renasço, nascente e foz.
Neste instante renasço, desintegro-me de ti.