quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Inverno


O mundo é dos loucos que como eu,
Se perdem nas carícias dos momentos
Que a vida oferece. Fotografias
Para sempre guardadas numa memória
Que não desvanece, como essas que tirei
De ti, de todas as vezes que o fado nos juntou
E nos roubou da boca sorrisos. Assim desejei
Também poder lançar-me numa aventura
Através dos teus lábios, essa paisagem perdida
E inexplorada, uma cordilheira inteira por desbravar
E declarar minha.
Se fosse possível, contudo, antever a dor que das memórias
Provém, ainda assim não as apagaria,
Masoquista nesse pesar que apenas tu me causas e alimentas,
E com o qual pareço não me importar. Só dessa forma sei que
Existes, tal como a minha alma, nesse génio que carrego sempre
Comigo e do qual escrava me torno. Não importa. Nada importa,
O tudo está sempre contigo. E este fogo devorador que
Me consome és tu, circulas-me nas veias como o sangue do meu
Corpo que se derrete na tua presença,
Que se perde no nada da tua ausência. Esmoreço nesta mudança
De vento que corre… Está frio hoje. Vou gelando também,
Aniquilada. Não ouso contrariar esta corrente, deixo-me ir,
 Bafejada pela candura que a natureza sempre oferece.
Começo a sentir um certo calor. És tu?
Não, não me deixes, ou leva-me então contigo,
Santa chuva que cais, cobre-me, refresca-me!
Vou perdendo a consciência…
Está frio hoje. Árctico. Glacial.

sábado, 6 de agosto de 2011

Descendes do Sol como a luz

Descendes do Sol como a luz - tua irmã, e da água
Entre as rochas da praia. Um trovão ilumina
Todo o céu com a tua presença, reflexo de ser
Mitológico na água púrpura do mar.
Todo o meu rosto sorri com o avistar dos teus olhos,
Das tuas mãos, pequenas, cálidas e delicadas,
Como se de flores cobertas por uma redoma se tratassem.
A terra alimenta-se do teu jardim, e com um pequeno beijo
Cresço nesse éden que criaste, respirando a tua chama,
Como se transportasses em ti toda a vida do universo, e
Cada pequeno sinal no teu pescoço fosse
um mapa a explorar,
Uma viagem incerta pelo infinito.
E sinto que estás em cada gesto da natureza,
que te reverbera
na brisa fugaz que me acaricia a face,
como se do teu cabelo se tratasse. Sinto nestas rosas o toque da tua pele,
 Agasalhada pelo Sol,
Coberta pelas estrelas do alto do Olimpo, cuja grandeza
Os deuses não se atrevem discutir.
Assim aprendo contigo as coisas mais simples que vão
No coração dos homens, cujas almas não ousam dar
Ao mundo por medo de errar,
E que no rio que atravessa a cidade corre a tua voz,
Desaguando no meu génio fugidio até chegar
À única e indivisível emoção que é a alegria.
Descendes do Sol como a luz - tua irmã, e da água
Entre as rochas da praia. E é enquanto a maré muda
E a claridade desvanece que te nomeio nos meus sonhos,
Subitamente soltos nas entranhas das noites
Onde navega o teu sorriso,
Onde está preso o meu coração.


terça-feira, 3 de maio de 2011

Devaneio

Raios de Sol iluminam o dia acinzentado
Que envolve a cidade com os seus braços
Quentes e tímidos,
Enquanto as nuvens desaparecem
Com a luz do teu olhar,
E a cidade esconde por todas partes o teu nome,
Um jogo, um tormento sem fim que não desaparece
Nunca. A manifestação de ti no ar primaveril
Das flores, das árvores, do ar.
A tua presença no trem que passa agora diante de mim,
Deixando a frescura clara da tua música ficar,
E o encarnado dos teus lábios marcados na minha pele,
Fazendo de mim uma pauta incompleta,
Uma Traviata de autor anónimo,
O mar sem o sussurro das ondas…
Quém és tu Ó graça maldita
Que atormentas os meus sonhos?
O crepúsculo chega e a tua luz esmorece,
“Até ao próximo devaneio”, sussurro,
E a tua chama envolve o meu corpo,
Que entretanto desaparece.

domingo, 24 de abril de 2011

Viagem

Lanço-me numa viagem rumo ao desconhecido,
E tomo o leme cinzento de uma nuvem sem direcção,
Que navio é este? Porquê eu o capitão da embarcação?
Comandante impreciso de mãos trémulas mas aventureiras,
Que navegam, que se prendem no mastro e içam as velas.
Exploro então a nau que se revela completamente nova
Perante mim. Não há saída possível, a navegação continua,
Hesitante mas optimista,
Sigo o caminho que as estrelas me indicam,
Encontro constelações que nenhum Homem jamais
Ousou tocar, e sinto o sussurro da luz do alvorecer
Despertar na minha face: “É dia”.
E todo um mundo inexplorado ainda me aguarda,
Combatendo comigo tempestades indomáveis e
Inesperadas, a minha embarcação sofrendo danos irreversíveis
Males do ofício que consigo contornar.
“Je vais, mais je ne sais pas où ‘’,
E também não encontro necessidade.
Ao longe escuto a maresia bradar:
“Terra à vista!”
E o que resta do meu navio desfaz-se em mil pedaços,
A viagem continua a nado, sem nenhuma bagagem.
“Nunca é tarde para começar”, alguém dizia,
E o peso do mundo já não se abate mais sobre mim.
Percebi então que tinha de facto chegado ao meu destino,
Mas que a minha jornada secreta apenas acabara de começar.
Ganho os sentidos, um novo universo se constrói perante mim,
Uma nova expedição começa agora,
Mapa na mão aventureiro explorador
Cautelosamente parto de novo,
Bienvenue”, ouço dizer,
Este é o teu novo lar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mitologia Ilusória IV

Sorvemos sofregamente
Cada desfragmentação somática
Enquanto nos deixamos extenuar no espaço.
Mas já não há espaço
Entre nós.
Encontro apenas voluptuosos vestígios
De álcool e tabaco,
Ânsia e uma pseudo-privação
Enraizadas nos nossos cabelos,
Inveteradas nas nossas vestes,
Perdidas entretanto com eufemismos,
Físicas e químicas, corpos celestes.
Cheiro os cálices de vinho,
Já desfeitos sobre a mesa, poesia nocturna
Nas madrugadas do ser.
Dispensa às palavras, contas perdidas
Às horas da delicada linha de engano sem fim.
Receios recíprocos, vontades semelhantes,
Fantasias, impulsos, desejos, paixão.
Tiro-me de mim com entusiasmo,
Acabaram-se os termos no nosso contrato,
Morte à condenação.
Virginais destinos banhando-se
Ao encontro dos mares de êxtase
E imoralidades. Somos imortais.
Já nem há Deuses no Olimpo,
Que se não resignem às nossas
Intenções mais extremas,
Prazenteiras alegorias conduzindo
À exaustão… E estamos de volta à terra.
Todo o cosmos ouve agora o eco da vozearia
Do passado que fomos, as conversas do agora,
Os sussurros do amanhã.
Até lá permaneceremos em surdina,
Entrelaçados fugidiamente em preces e questões,
Abraços a Vénus, Cupido e Afrodite.
Consigo já vislumbrar o alvorecer, ouço cânticos
E melodias ao longe.
Sabes o que significa…?


02-09-2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quando o homem decidiu ser máquina

Quando o Homem decidiu ser máquina
Desfragmentou-se em milhares de peças de solidão.
Nada restava já de consistência, uma única sensação de satisfação.
Deambulava transviado, num rumo apocalíptico sem fim absoluto,
O calor derretendo as porções de Homem separadas pelo tempo,
Partículas astronómicas sem solução na ciência,
Agitadas na ignorância e na prestidigitação…
Estar à espera, ou procurar?
O mundo terminou, o Homem já é engenho,
E os seus fragmentos apenas fósseis milenários,
Inusitados, frágeis, mas tão sublimes!
Desertor robotizado, anti-social, sem fé.
Procurar, definitivamente.
Com tantos maquinismos promissores, sem defeitos,
Como pôde uma máquina tão perfeita falhar?
Vaticínios de extinção esperam desde esse momento,
Marcados na agenda universal.
Reunir ou escapar... eis o que resta.
Poções mágicas, orações ou solstícios,
Restaurar a loucura lógica própria do ser humano,
O desejo, a paixão, o amor.
Ambicionar eternamente o sonho, a felicidade, o entendimento,
Combatendo os automatismos, restaurando o pacifismo, a compaixão.
Como pôde o Homem desejar uma morte automática,
Respirando tanta vida?
Quando o Homem decidiu ser máquina, o Cosmos estremeceu,
O Homem acordou, e o seu coração pulsou. 
03-03-2010

domingo, 16 de janeiro de 2011

Metrópole

A cidade está fria.

É noite e o seu silêncio esmaga-me como num deserto,

Embora a cidade nunca durma.

É noite e vejo um sem-abrigo procurando uma refeição num contentor vazio,

Logo seguido por dois, três mais, numa esquina tentando disputar o calor

Duma fogueira há muito adormecida.

A cidade está cega.

São sete e meia da manhã e entro numa estação de metro

Que me suga com o seu calor imundo e fétido,

Onde se refugiam animais de tamanho descomunal.

O trem circula na linha com velocidade,

Ninguém se atreve a falar, talvez por estar em plena hora de ponta

E os hálitos se tocarem no curto espaço onde se move o ar.

Encontro-me em plena Babel, mas uma Babel taciturna e glacial,

Onde as pessoas se olham com suspeita,

Como se uma revolução se fosse iniciar neste preciso momento.

Mas essa há já muito terminou, e as nossas vidas continuam

Como se nada se tivesse passado,

Como se o poder do poder tivesse sempre a razão e poder do povo não.

A cidade está muda.

Mas a cidade também irradia luz e promete sonhos:

Os seus edifícios góticos e clássicos, as suas ruas movimentadas,

A moda, os museus, as óperas e os teatros,

As esplanadas junto à estrada e a multidão que nelas se senta

De cigarro entre os dedos, café na mão e jornal na mesa.

A cidade está distinta.

Encontrar glamour no rio Sena, em piqueniques junto à Torre Eiffel

E em viver no Trocadéro.

Passear em Saint Michel, namorar nos Campos Elísios,

Comer baguettes a qualquer hora, ou foie gras às refeições,

E beber champanhe ou vinho num apéro.

Ler um livro nos jardins de Luxemburgo,

E quando o há,

Acolher o Sol com todo o meu corpo

E deixar que me ruborize a face.

Ver casais na Pont Des Arts a jurar amor eterno durante o dia,

E a festejar a juventude durante a noite…

A cidade é luminosa, visionária e intemporal,

Quer seja dia ou de noite os turistas pelas suas ruas passeiam,

E eu finjo ser um deles porque fico tão cega quanto a cidade,

E ressuscita-me sempre a mesma esperança

De que as suas atracções me manterão a seu favor mais uns dias,

Viva na cidade branca e no seu tempo cinzento,

Confundida nos seus muros, pontes e edifícios fechados.

A cidade está só.

E eu tal como ela morro neste desânimo inebriante

Mas delicioso, porque a cidade me confunde,

Me assombra com os seus contrastes e me conquista

Com o seu mistério.

A cidade está fria,

Mas a cada noite com sonhos e reflexões me aquece.

Um novo dia começa, a cidade continua fria,

Porém eu sinto-me cálida e destemida,

E desta realidade prometo nunca mais acordar.