domingo, 16 de janeiro de 2011

Metrópole

A cidade está fria.

É noite e o seu silêncio esmaga-me como num deserto,

Embora a cidade nunca durma.

É noite e vejo um sem-abrigo procurando uma refeição num contentor vazio,

Logo seguido por dois, três mais, numa esquina tentando disputar o calor

Duma fogueira há muito adormecida.

A cidade está cega.

São sete e meia da manhã e entro numa estação de metro

Que me suga com o seu calor imundo e fétido,

Onde se refugiam animais de tamanho descomunal.

O trem circula na linha com velocidade,

Ninguém se atreve a falar, talvez por estar em plena hora de ponta

E os hálitos se tocarem no curto espaço onde se move o ar.

Encontro-me em plena Babel, mas uma Babel taciturna e glacial,

Onde as pessoas se olham com suspeita,

Como se uma revolução se fosse iniciar neste preciso momento.

Mas essa há já muito terminou, e as nossas vidas continuam

Como se nada se tivesse passado,

Como se o poder do poder tivesse sempre a razão e poder do povo não.

A cidade está muda.

Mas a cidade também irradia luz e promete sonhos:

Os seus edifícios góticos e clássicos, as suas ruas movimentadas,

A moda, os museus, as óperas e os teatros,

As esplanadas junto à estrada e a multidão que nelas se senta

De cigarro entre os dedos, café na mão e jornal na mesa.

A cidade está distinta.

Encontrar glamour no rio Sena, em piqueniques junto à Torre Eiffel

E em viver no Trocadéro.

Passear em Saint Michel, namorar nos Campos Elísios,

Comer baguettes a qualquer hora, ou foie gras às refeições,

E beber champanhe ou vinho num apéro.

Ler um livro nos jardins de Luxemburgo,

E quando o há,

Acolher o Sol com todo o meu corpo

E deixar que me ruborize a face.

Ver casais na Pont Des Arts a jurar amor eterno durante o dia,

E a festejar a juventude durante a noite…

A cidade é luminosa, visionária e intemporal,

Quer seja dia ou de noite os turistas pelas suas ruas passeiam,

E eu finjo ser um deles porque fico tão cega quanto a cidade,

E ressuscita-me sempre a mesma esperança

De que as suas atracções me manterão a seu favor mais uns dias,

Viva na cidade branca e no seu tempo cinzento,

Confundida nos seus muros, pontes e edifícios fechados.

A cidade está só.

E eu tal como ela morro neste desânimo inebriante

Mas delicioso, porque a cidade me confunde,

Me assombra com os seus contrastes e me conquista

Com o seu mistério.

A cidade está fria,

Mas a cada noite com sonhos e reflexões me aquece.

Um novo dia começa, a cidade continua fria,

Porém eu sinto-me cálida e destemida,

E desta realidade prometo nunca mais acordar.

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