Eram duas da manhã. Tinha deixado a porta aberta
para que viesses mas não o fizeste, e enviaste apenas o teu perfume invadir a
minha morada. Esfumou-se então no desejo de querer dizer-te o quanto te odiava,
que não mais te queria ver, que o céu era mais estrelado na tua ausência.
Queria gritar-te aos ouvidos que te desvanecesses com as rajadas da tempestade
lá fora, mas cresceu-me o sabor amargo das palavras na boca, o seu valor nulo
cobriu-me a garganta de acidez e percebi subitamente que a tua existência era
extraterrestre, que tinhas partido na tua frágil mas contínua nave de
incongruidade e que quando a distância já não mais te agradasse, voltarias.
Vociferei, rugi, apunhalei a almofada num transe psicadélico que me expulsou do
meu ar absorto de ti. E aí, regressaste. Entraste, chamaste por mim. Não
levantei a cara, estava exausta, à margem da força. Naquela noite, já tão longe mas ainda
tão perto, abraçaste-me. Senti um esboço do teu sorriso e desfiz-me em sílabas disparatadas, o magma aqueceu-me o corpo e finalmente, disse o teu nome. Abri
os olhos. Desta vez não te pedi que ficasses, sabia que mais uma vez te
ausentarias. Levantei-me, a porta do tempo ainda aberta. Na escuridão do
silêncio percebeste o que o meu sangue palpitante te dizia. Partiste. Mas foi
então que a vi, a sombra do teu medo dissipava-se com cada um dos teus passos.
Senti o teu perfume invadir a minha morada e a minha alma encheu-se novamente
de ti.
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